Por elo com Cachoeira, Demóstenes é 2º cassado na história do Senado
O
receio de que o voto secreto pudesse manter Demóstenes Torres (sem
partido-GO) no cargo de senador da República não se concretizou. Por 56
votos favoráveis, o ex-democrata perdeu o mandato em uma sessão
histórica nesta quarta-feira: foi o segundo político a ser cassado no
Senado por quebra de decoro parlamentar. Os senadores entenderam que ele
usou o mandato para favorecer os negócios do grupo criminoso comandando
pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira e recebeu vantagens pelo serviço.
Até hoje, apenas o senador Luiz Estevão (PMDB-DF) havia sido cassado
pelos seus colegas no Senado, no ano 2000, após acusações de desvio de
dinheiro das obras do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo. O
STJ condenou o empresário de Brasília a 36 anos de prisão pelo
superfaturamento das obras. Estevão segue em liberdade enquanto à
decisão couber recurso.
O processo contra Demóstenes, julgado nesta quarta-feira, é resultado
das apurações do Conselho de Ética, que por três meses colheu provas e
depoimentos embasados nas operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia
Federal, e decidiu por unanimidade pela cassação do senador. A
representação contra ele, proposta pelo Psol, foi aceita após os membros
da comissão entenderam que Demóstenes usou sua influência e poder para
favorecer Cachoeira.
O parecer então foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça, a
qual Demóstenes inclusive já presidiu, que considerou o pedido de
cassação constitucional por avaliar que o parlamentar teve direito à
defesa e que o processo obedeceu quesitos de legalidade e
constitucionalidade. O político deve voltar agora ao cargo de procurador
de Justiça, do qual se licenciou para entrar na vida pública há 11
anos.
Nos últimos dez dias, Demóstenes usou a tribuna para discursar jurando
inocência e pedindo a seus pares que não o condenasse. Por repetidas
vezes, ele negou, para uma plateia vazia, ter feito lobby para Cachoeira
ou recebido dinheiro. A defesa dele também insistiu durante todo o
processo que as escutas que flagraram as relações entre Demóstenes e o
bicheiro Carlinhos Cachoeira são ilegais e teriam sido alteradas e
editadas com a finalidade de atingir o senador.
Denúncias causam surpresa
Em seu segundo mandato como senador, o promotor de Justiça de carreira
costumava ser uma das primeiras vozes da Casa a se levantar quando
surgiam denúncias de irregularidades na imprensa.
A chegada de seu nome às manchetes de jornais acusado de usar seu
mandato para beneficiar Cachoeira causou surpresa em colegas e o levou a
denunciar uma campanha na mídia para atingi-lo. "O Senado vai escolher
que futuro pretende, se de insegurança jurídica, em que qualquer de seus
integrantes terá de ser eliminado para atender a sanha acusatória, ou
um amanhã justo, respeitando-se os direitos dos representados, sem
pressa", disse o parlamentar em seu último discurso no plenário da Casa
antes da votação secreta que selou o seu futuro.
Visivelmente abatido e mais magro, o parlamentar goiano de 51 anos fez
de tudo, nos últimos dias, para salvar o mandato e manter o foro
privilegiado. Desde a semana passada, tem subido à tribuna para se
defender e chegou a pedir perdão nominalmente a diversos senadores.
No entanto, ele não contava mais com o prestígio que tinha junto aos
colegas até março, quando surgiram as primeiras denúncias. À época,
Demóstenes subiu à tribuna para prestar esclarecimentos e recebeu
apartes de senadores históricos, do governo, da oposição e independentes
- casos de Eduardo Suplicy (PT-SP), Pedro Simon (PMDB-RS) e Alvaro Dias
(PSDB-PR).
Até a petista Marta Suplicy, vice-presidente do Senado, reconheceu que
as denúncias contra o parlamentar foram uma "surpresa gigantesca".
"Tantas vezes ficamos impressionados com sua capacidade, com seu
brilhantismo como opositor e com sua defesa da ética e da correção no
lidar com as coisas públicas", afirmou a senadora, durante sessão
recente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Demóstenes foi um dos mais atuantes políticos da oposição. Encabeçou uma
campanha por uma CPI para investigar denúncias contra o governo e
também foi relator na Comissão de Constituição (CCJ) da Lei da Ficha
Limpa.
Escutas da Polícia Federal sugerem que Demóstenes teria viajado em um
avião pago por Cachoeira, e que utilizava um aparelho de rádio e
telefone fornecido pelo empresário. Em depoimento ao Conselho de Ética,
Demóstenes negou envolvimento com jogos ilegais, mas assumiu ter uma
"relação de amizade" com Cachoeira, que está preso desde o início do ano
acusado de comandar uma rede de jogos ilegais.
O senador, que já foi procurador-geral de Justiça de Goiás, presidente
do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça e secretário de
Segurança Pública de seu Estado disse ter aceitado o telefone por
"comodidade".
Eleito senador pelo DEM em 2002, o senador, natural de Anicuns, deixou o
partido neste ano após a legenda decidir abrir processo de expulsão
contra ele por conta das denúncias. Na época, Demóstenes disse ter sido
pré-julgado pelo partido.
P
or ELAINE LINA,
Fonte: Portal Terra direto de Brasília