Na visão do professor Armando Boito, o atual modelo neodesenvolvimentista brasileiro colabora para tal acirramento
09/04/2012
Nilton Viana
da Redação
O
professor da Unicamp Armando Boito acredita que o neoliberalismo
representa, em todo o mundo, uma ofensiva da burguesia contra os
trabalhadores. Segundo ele, para nós da América Latina, representa uma
ofensiva das economias imperialistas contra as economias dependentes
latino-americanas.
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Manifestação contra a ação da PM na desocupação do
Pinheirinho, em São José dos Campos (SP) - Foto: João Zinclar
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Em entrevista exclusiva ao
Brasil de Fato,
Boito afirma que o modelo de desenvolvimento brasileiro é
neodesenvolvimentista, que é, segundo ele, o programa de uma frente
política integrada por classes e frações de classe muito heterogêneas.
Para o professor, essa é a frente que sustentou os governos Lula da
Silva e que, agora, sustenta o governo Dilma.
“As organizações
revolucionárias devem participar criticamente dessa frente porque o seu
programa atende apenas de modo marginal e muito restrito os interesses
das classes populares”, defende. Boito afirma também que o movimento
popular deva levantar a bandeira da independência nacional. Além disso,
deve pressionar o governo brasileiro para que ele se coloque contra as
sucessivas intervenções militares dos EUA e da OTAN nos países da África
e da Ásia.
Brasil de Fato – Como você avalia o atual modelo de desenvolvimento brasileiro?
Armando Boito – Eu
penso que o modelo capitalista vigente no Brasil ainda é o modelo
neoliberal, embora esse modelo tenha passado por um período de reforma.
Essa reforma aparece na política econômica neodesenvolvimentista e nas
políticas sociais da década de 2000. Explico. O neoliberalismo
representa, em todo o mundo, uma ofensiva da burguesia contra os
trabalhadores e, para nós da América Latina, representa, ademais, uma
ofensiva das economias imperialistas contra as economias dependentes
latino-americanas. Essa dupla ofensiva traduziu-se, como sabemos, em
aumento do desemprego, no corte de direitos trabalhistas e sociais, na
reconcentração da renda, nas privatizações, na hipertrofia da acumulação
financeira, na abertura comercial e na desindustrialização forçada de
países da América Latina. Pois bem, embora os governos Lula e, na sua
sequência, o governo Dilma não tenham revertido essa dupla ofensiva e
tampouco suprimido os seus principais resultados, esses governos
moderaram os efeitos negativos do modelo capitalista neoliberal no que
respeita às condições de vida da população trabalhadora e no que
concerne à proteção do capitalismo brasileiro. A economia voltou a
crescer, o emprego e o salário cresceram, o programa de privatização foi
contido e, como podemos ver no presente momento, o governo Dilma se
esforça por proteger a indústria interna da concorrência dos importados
barateados pelo câmbio alto.
Embora o capitalismo neoliberal não
tenha sido substituído por um modelo novo, voltado para as necessidades
mais sentidas das massas trabalhadoras, podemos observar um contraste
entre, de um lado, a situação brasileira e também de vários países
latino-americano, e, de outro lado, a situação dos principais países da
Europa. Enquanto assistimos a uma nova e forte ofensiva burguesa
neoliberal na Inglaterra, na França, na Itália, em Portugal e em outros
países europeus com seus governos majoritariamente neoliberais
ortodoxos, na América Latina, onde prosperaram os governos de
centro-esquerda e de esquerda, o que vemos são tentativas de moderar o
capitalismo neoliberal (Brasil e Argentina) ou mesmo de substituir esse
modelo (Bolívia, Venezuela). São respostas diferentes para a crise
iniciada em 2008.
Como é que você caracteriza o neodesenvolvimentismo dos governos Lula e Dilma?
O
neodesenvolvimentismo retoma a velha aspiração desenvolvimentista, mas o
faz em condições históricas novas e com ambição menor. O
neodesenvolvimentismo é o desenvolvimentismo possível dentro do modelo
capitalista neoliberal. Vou destacar cinco diferenças importantes que o
distinguem do desenvolvimentismo do período 1930-1980 e que o
distinguem, especialmente, da fase em que o velho desenvolvimentismo
esteve unido ao populismo entre 1930 e 1964.
O neodesenvolvimentismo, quando comparado ao desenvolvimentismo do século passado,
a)
apresenta taxas de crescimento econômico bem mais modestas; b) confere
importância menor ao mercado interno, isto é, ao consumo das massas
trabalhadoras do país; c) dispõe de menor capacidade de distribuir
renda; d) aceita a antiga divisão internacional do trabalho, promovendo
uma reativação, em condições históricas novas, da função
primário-exportadora do capitalismo brasileiro; e) é dirigido
politicamente por uma fração burguesa, a qual nós denominamos burguesia
interna, que perdeu toda veleidade de agir como força antiimperialista.
Todas essas cinco características, que se vinculam umas às outras, fazem
do neodesenvolvimentismo um programa muito menos ambicioso que o seu
predecessor e tais características advêm do fato de o
neodesenvolvimentismo ser a política de desenvolvimento possível dentro
dos limites dados pelo modelo capitalista neoliberal. As taxas menores
de crescimento do PIB são as taxas possíveis para um Estado que, para
poder rolar a dívida pública, aceita abrir mão do investimento; o papel
de menor importância conferido ao mercado interno é decorrente do
compromisso político em manter a abertura comercial; a reativação da
função primário-exportadora é a opção de crescimento possível para uma
política econômica que não pretende retomar as posições que o capital
imperialista obteve no mercado nacional; todas as características
anteriores desestimulam ou impedem uma política mais forte de
distribuição de rendas.
Do ponto de vista político, quais sãs as forças que sustentam esse modelo de desenvolvimento?
O
neodesenvolvimentismo é o programa de uma frente política integrada por
classes e frações de classe muito heterogêneas, frente essa que
sustentou os governos Lula da Silva e que, agora, sustenta o governo
Dilma. Essa frente representa prioritariamente os interesses de um setor
importante da burguesia brasileira que é a grande burguesia interna.
A
burguesia não é uma classe homogênea, ela encontra-se dividida em
frações cujos interesses de curto prazo diferem entre si em decorrência
das situações distintas vividas pelas empresas no processo de acumulação
capitalista (banco, indústria e comércio; grande capital, médio
capital; exportação, importação etc.) e em decorrência do perfil da
política econômica do Estado. A fração que denominamos grande burguesia
interna brasileira é integrada por grandes empresas de variados setores
da economia. O que unifica essas empresas é a reivindicação, motivada
pela política econômica de abertura comercial e de desnacionalização da
década de 1990, de proteção do Estado na concorrência que elas
empreendem com o capital estrangeiro. Essa fração burguesa quer o
investimento estrangeiro no país, mas pretende, ao mesmo tempo,
preservar e ampliar as suas posições no capitalismo brasileiro – é por
isso que a denominamos burguesia interna e não burguesia nacional que
pode, essa última, assumir posições antiimperialistas. Vê-se que, ao
contrário de uma ideia bastante corrente, a chamada “globalização” não
fundiu a burguesia dos diferentes países numa suposta burguesia mundial.
Mas essa grande burguesia interna ganhou com o neoliberalismo. É ela a força dirigente da frente política neodesenvolvimentista?
A
grande burguesia interna brasileira também ganhou com o neoliberalismo
ortodoxo da década de 1990. Teve ganhos com redução dos direitos
trabalhistas e sociais, com o desemprego que dobrou o sindicalismo e,
ponto importante, aumentou o seu patrimônio com a compra, a preço vil,
de grandes empresas estatais. Porém, essa fração burguesa
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As classes populares ainda dão apoio
aos governos neodesenvolvimentistas de
Lula e Dilma - Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
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acumulou,
nesse mesmo período, contradições com aspectos específicos do modelo
capitalista neoliberal e passou a reivindicar proteção do Estado para
não ser engolida pelo grande capital financeiro internacional – ou seja,
passou a reivindicar justamente aquilo que a burguesia condena, em
teoria, no seu discurso ideológico. A ascensão de Lula representou,
acima de tudo, a ascensão dessa fração da burguesia em disputa com o
grande capital financeiro internacional. A priorização dos interesses
dessa fração do grande capital pelo Estado brasileiro aparece em
inúmeros aspectos da política econômica dos governos Lula e Dilma.
Aparece no abandono a frio da proposta da ALCA, na nova política de
créditos do BNDES que visa à formação dos chamados “campeões nacionais”
para diferentes setores da economia, na inversão da política de comércio
exterior da era FHC, visando obter saldos crescentes na balança
comercial, na legislação que prioriza as empresas instaladas no país
para as compras do Estado e das empresas estatais, na nova política
externa que visa fortalecer as relações Sul-Sul e, como estamos vendo
neste momento, nas iniciativas do governo Dilma, visando proteger a
indústria interna. Pois bem, a grande burguesia interna é a força
dirigente da frente política neodesenvolvimentista, ou seja, é essa
fração de classe que define os objetivos prioritários e os métodos de
intervenção política da frente. O seu objetivo é o crescimento econômico
com maior participação das empresas predominantemente nacionais e das
empresas estrangeiras aqui radicadas, uma maior proteção do mercado
interno e o apoio do Estado para a conquista de mercados externos para a
exportação de mercadorias e serviços e também para a expansão dos
investimentos das empresas brasileiras no exterior – construção civil,
exploração mineral, siderurgia, bioenergia etc.
E você entende que há uma aliança dessa burguesia com as classes populares?
Não
exatamente. Como já indiquei, é verdade que o programa
neodesenvolvimentista contempla também, ainda que de maneira periférica
ou pontual, alguns interesses das classes populares – operariado urbano,
baixa classe média, campesinato e a massa empobrecida pelo desemprego e
pelo subemprego. Porém, nós estamos utilizando a expressão frente
política, e não aliança de classes, para caracterizar as relações que se
estabelecem entre as diferentes classes e frações de classe que compõem
as bases sociais do programa neodesenvolvimentista porque a unidade
entre essas forças é um tanto frouxa e não se baseia em um programa
político claro, que tivesse sido assumido, conscientemente, pelas
organizações das diferentes classes e frações de classe que integram o
campo neodesenvolvimentista. Às vezes e para alguns setores da frente
desenvolvimentista as relações se aproximam daquilo que poderíamos
denominar uma aliança de classes. Estamos vendo isso agora na ação
conjunta das centrais sindicais e do grande empresariado industrial para
pressionar o governo Dilma para que tome medidas de proteção à
indústria instalada no país. Porém, no plano político e em geral não é
assim que se dão as relações entre as forças que compõem o campo
neodesenvolvimentista. É por isso que prefiro falar em frente e não em
aliança de classes. Mas, tanto na frente quanto na aliança a base é
algum tipo de convergência de interesses.
Como é que os interesses populares são contemplados pelo neodesenvolvimentismo?
Entre
as classes populares, o crescimento econômico também é bem-vindo.
Depois da “década perdida” do reinado tucano, o crescimento é o elemento
que une essa frente. Porém, os trabalhadores querem crescimento com
emprego de qualidade, com melhoria salarial, com distribuição de terra,
enfim, querem que o crescimento favoreça as grandes massas. É nesse
ponto que se instaura o conflito entre a força dirigente e as forças
subordinadas dessa frente política.
Esse conflito, convém
destacar, tem se mantido, contudo, no terreno da luta econômica. No
terreno político, quando o neodesenvolvimentismo é ameaçado, as classes e
frações de classe que compõem a frente, agem de maneira unitária –
aconteceu isso na chamada “crise do mensalão” em 2005 e nas eleições
presidenciais de 2006 e de 2010. Em todas essas conjunturas, a grande
burguesia interna, por intermédio de suas principais associações, e as
classes populares, por intermédio de partidos, movimentos e sindicatos,
apoiaram Lula e Dilma contra a oposição dirigida pelo PSDB.
Você entende que as direções dessas organizações populares teriam sido cooptadas pelo governo, como sugerem alguns observadores?
Não,
eu não aceito essa análise. Os trabalhadores tendem a apoiar a frente
neodesenvolvimentista devido a melhorias reais que obtiveram no emprego,
no salário, na política de assistência social (bolsa família, auxílio
de prestação continuada) e, no caso dos pequenos proprietários rurais,
no crédito agrícola. Tivemos uma recuperação do salário mínimo, embora
esse ainda permaneça num patamar baixo quando comparado até com o dos
principais países da América Latina. Tivemos, também, uma grande
melhoria nas convenções e acordos coletivos de trabalho: ao contrário do
que ocorria no início da década de 2000, quando cerca de 80% das
negociações salariais resultavam em reajustes inferiores à inflação, nos
últimos anos a situação se inverteu – mais de 80% das convenções e
acordos estabelecem reajustes acima da taxa de inflação. As condições
para a organização e para a luta sindical melhoraram muito. Temos tido
aumento real de salários. Os governos Lula e Dilma promoveram também uma
política de integração racial, favorecendo a população negra que é uma
parte muito importante das classes trabalhadoras. Parte da classe média
foi contemplada com a reabertura dos concursos públicos, com a expansão
das universidades federais e com as bolsas e financiamentos para o
ensino superior. É verdade, contudo, que há setores populares que não
ganharam quase nada. Talvez o mais marginalizado pela política
neodesenvolvimentista seja o campesinato sem-terra, pois os governos
Lula e Dilma reduziram muito o ritmo das desapropriações. Porém, o apoio
das direções de organizações populares, das centrais sindicais e de
partidos de esquerda aos governos da frente neodesenvolvimentista não é,
de maneira nenhuma, um apoio desprovido de base real, ao contrário do
que sugere a noção de cooptação, e tampouco tal apoio contraria a
aspiração da maior parte das bases sociais dessas organizações.
Da
maneira como você expôs, pode parecer que todas as classes sociais
participam da frente política neodesenvolvimentista, que ela não teria
inimigos na sociedade brasileira.
Não é o que penso. A
frente neodesenvolvimentista se bate contra o campo político neoliberal
ortodoxo. Esse campo é formado pelo capital financeiro internacional,
pela fração da burguesia brasileira perfeitamente integrada aos
interesses desse capital e pela alta classe média, cujo padrão de vida
se assemelha ao das camadas abastadas dos países centrais. A classe
média é muito heterogênea e, como ocorre com a burguesia, também está
dividida. A baixa classe média é, em grande parte, base eleitoral do PT,
mas a votação dos candidatos do PSDB nos bairros de alta classe média
indica claramente que essa última está com os tucanos. Pois bem, a força
dirigente desse campo político neoliberal ortodoxo é o capital
financeiro internacional e seu aliado interno, a fração burguesa a ele
integrada. É o conflito entre a grande burguesia interna e essa
burguesia integrada ao capital financeiro internacional, que são as
forças dirigentes, respectivamente, do campo neodesenvolvimentista e do
campo neoliberal ortodoxo, é esse conflito que se encontra na base da
disputa partidária entre o PT e o PSDB.
No que consiste, fundamentalmente, o programa do campo neoliberal ortodoxo?
O
programa do campo neoliberal ortodoxo é, fundamentalmente, composto
pelo tripé: a) desregulamentação do mercado de trabalho, b) privatização
e c) abertura comercial e financeira. Na década de 1990, o campo
político neoliberal ortodoxo sustentou os governos Collor, Itamar e FHC e
logrou atrair parte do movimento operário e da massa empobrecida. Basta
lembrarmos, para o caso do movimento operário, o apoio da Força
Sindical a Collor e a FHC e, no que concerne à massa empobrecida, o
apelo de Fernando Collor, apelo que se revelou eficiente eleitoralmente,
aos “descamisados”, convocando-os para uma luta contra os “marajás”. Na
década de 2000, contudo, esses setores das classes populares foram
ganhos pela frente neodesenvolvimentista, enfraquecendo eleitoralmente o
campo político neoliberal ortodoxo. Esse campo, embora domine a grande
imprensa e os meios de comunicação de massa, está eleitoralmente
enfraquecido. Hoje, escondem o seu verdadeiro programa e agitam apenas a
bandeira “anti-corrupção”. Não ousam mais, ao contrário do que fizeram
na década de 1990, expor seus verdadeiros objetivos. Mas, ao que José
Serra, Geraldo Alckimin e Aécio Neves realmente aspiram é implantar, no
Brasil, uma nova onda de reformas neoliberais, à moda do que estamos
vendo na Europa. Basta ver o que dizem os intelectuais e políticos
tucanos para o seu próprio público. Nos fóruns e meios de comunicação
mais restritos, eles pregam a retomada da reforma trabalhista, da
reforma previdenciária e criticam a aproximação do Brasil com os
governos de esquerda e de centro-esquerda da América Latina. Nos Estados
em que são governo, como em São Paulo, deixam entrever, também, que
pretendem recrudescer a repressão contra o movimento popular – a
desocupação do bairro do Pinheirinhos em São José dos Campos mostrou
isso. O grande capital financeiro e a fração “cosmopolita” da burguesia
brasileira querem recuperar o terreno perdido no Estado brasileiro e a
alta classe média tucana quer que as massas populares retornem “ao seu
lugar”.
Como você analisa as forças progressistas, de esquerda no atual cenário de desenvolvimento?
A
política brasileira contemporânea ainda está dividida entre, de um
lado, as forças que defendem o modelo capitalista neoliberal na sua
versão ortodoxa e propõem uma nova onda de reformas neoliberais e, de
outro lado, as forças que apoiam a versão reformada desse mesmo modelo,
versão essa criada pelo neodesenvolvimentismo dos governos Lula e Dilma.
As classes populares, embora frustradas em muitas de suas
reivindicações básicas, ainda dão apoio, sobretudo eleitoral, aos
governos neodesenvolvimentistas. Os trabalhadores, com razão, veem
nesses governos ganhos econômicos e políticos, sobretudo quando
comparados aos governos do PSDB.
Eu já tive uma avaliação
diferente dessa questão, mas, hoje, entendo que as organizações
revolucionárias e populares devem participar da frente
neodesenvolvimentista, embora devam fazê-lo criticamente. Devem
participar porque tentar, no presente momento, implementar um programa
independente, popular ou socialista, só pode levar ao isolamento
político. A experiência da década de 2000 mostrou que em todos os
terrenos – eleitoral, sindical ou da luta popular – as forças que
tentaram esse caminho se isolaram ou, pior ainda, acabaram se
aproximando, apesar de suas intenções, de forças conservadoras. Alguns
descobriram, para a própria surpresa, que estavam recebendo apoios e
aliados muito incômodos.
Mas essas organizações
poderiam alegar que quem integra a frente neodesenvolvimentista está
aliado permanentemente a forças conservadoras.
Se
alegassem isso, estariam dizendo apenas parte da verdade. No Brasil,
dentre os grandes partidos, há apenas dois que me parecem orgânicos: o
PT e o PSDB. Representam interesses definidos e têm uma linha de atuação
coerente. Porém, o pluripartidarismo brasileiro criou espaço para
partidos que possuem, principalmente, uma função, digamos assim,
governativa, e não uma função representativa. O maior deles é o PMDB.
Esse partido apoia, dentro de certos limites, o governo do momento e o
faz em troca de vantagens para seus políticos profissionais. Os limites
são os seguintes: o PMDB não apoiaria um governo popular ou socialista e
tampouco, pelo menos nas condições atuais, um governo fascista. Mas, no
interior desse amplo espectro, eles podem apoiar qualquer governo. A
sua base eleitoral está adaptada a esse governismo. Ela tem uma posição
de centro, que aspira a governos estáveis, e que pode aceitar mudanças
pontuais desde que ocorram sem abalar as instituições do regime político
vigente. Pois bem, isso significa que o PMDB desempenha, hoje, uma
função política distinta daquela que ele desempenhou quando ofereceu o
seu apoio aos governos neoliberais ortodoxos. E o papel político é mais
importante que o partido ou as pessoas. Ademais, na forma como eu vejo a
participação na frente, participação que deve ser crítica, as forças
populares e socialistas não estão desobrigadas de fazer a crítica a
forças conservadoras que ocupam cargos no governo. As recentes
substituições nos ministérios do governo Dilma mostram que a esquerda
poderia ousar muito mais nessa matéria.
Você ia, justamente, definir o que você entende por essa participação crítica.
É
isso. As organizações revolucionárias devem participar criticamente
dessa frente, porque o seu programa atende apenas de modo marginal e
muito restrito os interesses das classes populares.
Participar
criticamente significa, em primeiro lugar, não abrir mão das bandeiras
populares, mesmo que isso crie conflitos no interior da frente. Eu me
refiro, é claro, à luta por melhoria salarial e por melhores condições
de trabalho, isto é, para que os frutos do crescimento econômico sejam
repartidos. Mas, não se trata apenas dessa luta. Dou alguns exemplos
referentes a lutas que estão na ordem-do-dia. Independentemente da
posição do governo, não podemos abrir mão da bandeira histórica da
reforma agrária e da ocupação de terra. Na questão democrática, a luta
pela punição dos torturadores do período da ditadura militar está
novamente colocada, sejam quais forem a composição e as intenções da
Comissão da Verdade. As manifestações recentes defronte as residências e
empresas de conhecidos torturadores – os chamados escrachos – são muito
importantes nesse sentido. O movimento popular deve, também, levantar a
bandeira da independência nacional. Deve pressionar o governo
brasileiro para que ele se coloque contra as sucessivas intervenções
militares dos EUA e da OTAN nos países da África e da Ásia.
Em
segundo lugar, a participação crítica na frente neodesenvolvimentista
significa que é preciso fazer a crítica dos aspectos regressivos dessa
política de desenvolvimento. A reprimarização da economia brasileira, a
esterilização de um terço do orçamento da União para a rolagem da dívida
pública, os prejuízos ambientais e muitos outros aspectos antinacionais
e antipopulares do atual modelo devem ser criticados pelos setores
populares que participam criticamente da frente. É preciso ter claro o
seguinte. A grande burguesia interna depende do voto dos trabalhadores
para manter os governos neodesenvolvimentistas e nem por isso essa
burguesia abriu mão de lutar por seus interesses mesmo quando isso fere
os interesses dos trabalhadores. As associações empresariais estão
pressionando o governo para que esse reduza os gastos públicos – os
gastos com os trabalhadores, mas não com a rolagem da dívida pública ou
com os empréstimos subsidiados do BNDES, poderiam acrescentar – e para
que efetue reformas que reduzam o custo do trabalho. Não serão, então,
as organizações dos trabalhadores que irão abrir mão de seus objetivos
específicos para ganharem nota de bom comportamento no interior desse
“frentão”.
Eu penso – e esse não é um mero chavão – que as
contradições tendem a se aguçar. A economia capitalista neoliberal está
em crise na Europa. As forças populares não podem arriar suas bandeiras
nem abrir mão da crítica, porque, caso contrário, poderão ser
surpreendidas por uma eventual implosão da frente neodesenvolvimentista e
se verem sem proposta própria para seguir em frente.
Armando Boito Jr. é
professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp e Editor da
revista Crítica Marxista. É autor dos livros Política neoliberal e
sindicalismo no Brasil (São Paulo, Editora Xamã, 2002) e Estado,
política e classes sociais (São Paulo, Editora Unesp, 2007).
Fonte: Brasil de Fato